UMA CHAVE NA MÃO
CONTO
NOZIEL ANTONIO PEDROSO
10 de setembro de 2008
Três anos haviam se passado desde Wagner retornara àquela localidade. A parada longe daquele lugar não fôra lá de muito sucesso, as coisas haviam empacado. Lá onde havia estado, o garoto não recebia apoio nem ajuda de ninguém, razão pela qual deu uma fracassada no âmbito profissional. Que se há de fazer? As coisas custam mesmo, a entrar nos eixos. Mas agora de volta ao seu lugar, o jovem estava determinado a recuperar o tempo perdido, se é que se pode recuperar algo dessa envergadura, pois o tempo que se vai jamais se recupera. Assim Wagner dava seus primeiros passos nesse retorno à terra natal, às suas origens. Como não podia deixar de ser, Waguinho, como era conhecido ali em Capogaba, em anos passados tinha duas manias intocáveis: o futebol de várzea e a amizade com Deja Moreno e Beto Salupam. Todo mundo ali do pedaço, sabia que o trio era inseparável. Estavam sempre juntos nas quermesses, nas festas da comunidade, na igreja, nos enterros e, claro no futebol e as comemorações após o futebol.
Deja, Beto e Waguinho, que amizade. Aquilo até virava roda de comentário entre muita gente ali do pedaço. Muita gente por ali dizia que entre aqueles três rapazes havia vínculos mais fortes até que uma irmandade. Não era de se duvidar, não. Pintou uma excursão para a cidade litorânea de Pérola Branca. E lá vai o trio, mais unido que nunca. Ah, aventura, curtição, isso que é vida. E aí gente, vamos todos para a Praia do Moinho Sem Vento. Pô, o sol tá bombando à toda, a água deve de tá uma delícia, Vamos todo mundo salgar o filé, caramba! Iú, Irra, puta merda, que barato, cara! E lá vem mais uma onda, todo mundo mergulhando por baixo. Porra, essa foi demais, hein... Êi Deja, nada de se afastar mais, cara... Lá pra cima é perigoso, ô meu... ah, que que há? Eu nado melhor que peixe desde criança!
Olha, não sei, não... Você sabe, né, quando a onda começa a puxar o sujeito para mar aberto, dificilmente ele consegue voltar... Mas, vocês são uns cagões mesmo... essa ondinha de merda não tá com nada, né Waguinho? Acho que não convém subestimar a força da natureza. O Beto tem razão, Deja, a força da onda quando está levando algo para alto mar, é implacável. Ah, tô vendo que vou sozinho nessa. Puta merda, como esse cara é turrão, hein... bem, ele sabe o risco que é... Vamos ficar por aqui mesmo!
Waguinho e Beto permanecem por ali mesmo, na parte menos perigosa, ensaiando um mergulhozinho ameno, inconsequente. É, mas temos que admitir: Deja sabe nadar como ninguém... Isso lá é verdade, mas não funciona como garantia pra ninguém... O que não tem que acontecer, não acontece... Não adianta. Isso é verdade. Olha, lá vem ele de volta. Ufa, ainda bem!
Hoje a noite, hein moçada, vai ter um belo churrasco no clube Regatas! Vamos tomar umas geladas.
A noite que chega, aquele mundaréu de gente, é bandeja que vai, é bandeja que vem, é espetinho que chega, é espetinho que vai pro bucho. Êh, lasquera! Amanhã cedo vamos dar um passeio em São Gonçalo do Araruna. Lá tem um museu e vamos visitar ainda a fábrica de bola da Escanteio & Companhia. Vai ser um dia cheio, hein... Será que vai dar tempo de darmos um mergulho? Ah, certamente que sim, a gente vai pela manhã, fica até a hora do almoço e vem embora. É apenas 22 quilômetros entre essas duas cidades. E vamos passar também em Floresta do Araçá, lá é a famosa terra do pé-de-moleque. Puxa, quanta coisa. Pena que essa viagem dure apenas três dias. Queria que fosse pelo menos por uma semana, aí sim dava pra gente curtir bastante! E aí, Deja, animado com a aventura? É claro, mas quem não tá?
Viagem concluída. Todos voltam às suas respectivas rotinas. Mas, uma série de assassinatos estava ocorrendo ali em Capogaba, região de Bauxita, onde morava Wagner. Que chato. O local, outrora tão pacato, agora era surpreendido por grupos rivais de traficantes, que disputavam pontos de drogas. Há uns cinco anos mais ou menos, várias indústrias e fábricas multinacionais haviam se instalado no local, trazendo progresso para o local. E isso arrastou consigo grupos de favelados, famílias paupérrimas, e toda sorte de gente dos mais diversos tipos, que deslocaram-se àquela localidade, por conta do progresso que parecia ter chegado por ali. O progresso caracteriza-se por seu processo ambíguo. Ao mesmo tempo em que ele aparentemente traz divisas, traz a escória, como tráfico, banditismo, prostituição e coisas do gênero.
Oito assassinatos já havia ocorrido por ali, dos mais diversos gêneros, como acerto de contas, latrocínio, crime encomendado e até estupro e estrangulamento. Wagner, Deja e Beto estavam agora mais cautelosos, voltando cedo para casa. Mas certo dia o trio foi à cidade vizinha, Campo Novo, encontrar-se com um empresário que iria patrocinar um campeonato de futebol. Assim que desvencilham-se do compromisso, os três amigos caminhavam por uma rua escura até chegarem ao ponto de ônibus, Um tiroteio nas proximidades gelou a espinha dos rapazes. Rapidamente entram num beco e escondem-se. Um dos malfeitores do fogo cerrado também adentra o beco e, é fuzilado pelo grupo adversário. Beto, Waguinho e Deja! Que enrascada, que desespero. Os três entreolham-se assustados, sem saber o que fazer. Em seguida ouvem a sirene da polícia, que chega com tudo. Os três amigos, coitados, não têm nem tempo de explicar: são enquadrados como autores do homicídio. Às vezes, a polícia na ânsia de resolver o assunto, pega quem está mais próximo da cena do crime, por ser talvez mais prático.
E nessa Deja, Beto e Waguinho foram parar no xadrez, eram suspeitos em potencial. Prisão preventiva, prisão temporária. Nada de benefícios, de relaxamento. Crimes contra a vida são complicados, não há perdão para quem não tem dinheiro. É cadeia mesmo. Que injustiça. Não havia argumento que desse jeito. Os três amigos, que judiação, explicaram tudo. Não eram dali, não eram traficantes e nem sabiam lidar com armas. Ah, conta outra, vá? Vai dizer também que é parente do Papa? Liga para meus parentes e eles vão esclarecer tudo. E aí, vagabundo? Acha que eu tenho jeito de garoto de recado? Daqui a dois meses você pede arrego para o Juiz, ele sim pode dar um jeito. Dois meses? Meu Deus, vamos ficar presos dois meses? Por enquanto! Se forem condenados, poderão pegar um pouquinho mais, né Janjão? Ah, ah, ah, o homem da capa preta vai bater o martelo e decidir o destino de vocês! Waguinho, Beto e Deja deram-se as mãos, fizeram um pacto. Já que estamos abandonados, sem alguém que acredite na gente, vamos aguentar firmes e nos ajudarmos. Vamos sair dessa, afinal Deus, somente ÊLE, sabe que somos inocentes. ÊLE não vai permitir que paguemos por uma coisas que não fizemos, afinal esse sim, sabe fazer Justiça.
A muito custo, passa-se os dois meses que separavam os amigos do julgamento. E o veredicto é assinado pelo Juiz, dias depois. Carcereiros se aproximam da cela e comunica ao trio de amigos, que o santo deles era bom, o homem da lei havia determinado a soltura deles. Eles quase nem acreditam, abraçam-se, choram, agradecem à Deus. Pela justiça que agora estava sendo feita, embora de forma tardia. Waguinho, entre soluços e risos, dizia: Eu sabia, eu tinha certeza, que DEUS não ia nos abandonar. Sabe, amanheci cheio de esperança, pois tive um sonho a noite passada e nele Nosso Senhor colocava uma chave na minha mão. Agora sei, era um aviso. Ele colocava em nossas mãos a chave da nossa liberdade!
sexta-feira, 12 de junho de 2009
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