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sexta-feira, 26 de junho de 2009

Conto "AOS TRANCOS E BARRANCOS"

AOS TRANCOS E BARRANCOS

Conto

NOZIEL ANTONIO PEDROSO

Novembro de 2007

Fim de tarde naquele bairro movimentado daquele subúrbio denominado Capoava do Engenho. Heloísa Sampaio rompeu de vez com a vizinha fofoqueira. Onde já se viu? Ficar falando por aí que seus filhos eram tranqueiras, desordeiros e que só pensavam em badernar? Ora, é bem verdade que eles não me obedecem, ficam a maior parte do tempo na rua, mas daí dizer uma barbaridade dessa, já é demais. Pelo menos, meus filhos não andam em más companhias. Não vivem metidos com drogados...
É, aquela mulher estava por conta com a falação daquela moradora das adjacências. E de fato, os irmãos Wilson e Wellington Palhares não eram lá de boa índole, não eram batizados e como se diz no interior: não eram flores que se cheirasse.
Dizem até que os dois entraram na escola onde estudavam, num dia de domingo. Uma vez dentro da cozinha os dois fizeram a maior bagunça. Cozinharam a merenda, devoraram pão com mortadela, comeram tudo que encontraram pela frente e, não contentes, forçaram a porta da classe e furtaram alguns dos cadernos que estavam cuidadosamente guardados no armário, inclusive de colegas deles. E pra completar ainda cagaram no chão e limparam o cu nos panos de prato. Quer baderna maior do que isso? Mas nada estava provado contra eles. Ora, todos conheciam de cor e salteado as atitudes indecentes daqueles moleques. A maioria do pessoal daquela rua, sabia quem eram aqueles encrenqueiros. Tá escrito na testa deles, ora essa! Somente a mãe mesmo, a bobona, pra enfiar a mão no fogo por eles.
E Heloísa, que vida. Que saco. É o que dá morar num lugar atrasado. E Augusto, que não me aparece. Será que tá no bar enchendo a cara? Eu não duvido nada. Meu Deus, que vou fazer de minha vida? Marido beberrão, pinguço, filhos metidos em encrencas. Tenho que cuidar da vida, não posso parar de trabalhar, senão vamos passar fome.
Num bairro próximo, Ladeira do Vintém, morava Luzia, melhor amiga de Heloísa desde os tempos de escola. A boa mulher tinha um padrão de vida bem mais privilegiado que Heloísa, Casara-se com Abdias Santana, um próspero comerciante, que foi crescendo dia após dia. O homem era mesmo trabalhador, começou a vendinha com meia dúzia de produtos. E foi crescendo, progredindo, evoluindo, até que em pouco mais de dois anos o estabelecimento já tinha mais que o dobro do tamanho de que quando iniciara. Claro que o varejista não havia parado por aí. Tratou de trabalhar mais, diversificou os produtos, colocando mais serviços a disposição da já selecionada e ampla freguesia. Seguindo-se nesse ritmo, o homem em pouco tempo já possuía um outro pequeno estabelecimento, com qualidade de serviço.
Nisso Luzia, representante da empresa Graciosa, que comercializava produtos de beleza, cosméticos e perfumes, já não mais podia com os encargos, posto que precisava dar atenção à esse novo empreendimento da família. Chamou o marido na conversa: “Abdias, não posso mais continuar com a Graciosa e com nossa prestadora de serviço. Na verdade, não está dando para conciliar. Tenho que repassar a representação para alguém”. “É, mas tem que ser alguém de confiança, pra não decepcionar Dona Yara. Ela não mora aqui e confia plenamente em você”. “Ah, já sei, você se lembra daquela minha amiga lá do Engenho? A Heloísa? Ela esteve aqui outro dia e trabalhou pra nós! “Ah, sim, lembro, a moça do lenço na cabeça! Claro, claro, você tem razão, ela é mesmo de confiança. Percebi isso nas conversas que você teve com ela. Sabe como é, né? A gente que é comerciante tem as manhas. Podemos captar de antemão quem é malandro e quem não é.” “Eu também tenho isso Abdias. Aprendi com a profissão em quem se deve confiar ou não. Então tá resolvido, vamos falar com a Heloísa”.
Nossa, como as coisas dão uma virada assim de repente? De diarista a moça do subúrbio passou a ser representante de uma das mais conceituadas empresas a serviço da beleza. Heloísa não era boba, não. Clotilde Antunes, uma cliente elegante e endinheirada chega pra ela e conversa: “Olha, tenho uma coisa a propor a você. Será que a empresa não pode fazer um preço mais em conta, para eu comprar em grande quantidade? Até que compensa. “Não sei, vou ver com a patroa. Pode ficar tranqüila, que eu. vou conseguir para a senhora. Primeiro vamos ver qual a proposta da senhora, para eu poder negociar com a dona da empresa. Acredito que ela não vai se opor, afinal quem não gosta de ganhar dinheiro? Até eu”.
Proposta preenchida, diálogo estabelecido. Pronto. Estava feito. E nessa empreitada, Heloísa ganhou um dinheirão, coisa assim de três meses de salário. Puta merda, agora vou poder pagar aqueles móveis novos praticamente à vista. E Wellington e Wilson? Até que os meninos deram uma folga. Depois de participarem do Projeto Reeducando para o Futuro, uma parceria do Departamento de Educação com a Pastoral da Juventude, aliado ainda com a entidade filantrópica Estendendo a Mão, os meninos parece que acharam o caminho. Aliás, mudaram da água pro vinho. As pessoas têm mania de culpar entidades desse tipo, salientando sempre que não funcionam, mas é só ter boa vontade e espírito participativo que a coisa funciona, assim ponderava Heloisa. Os meninos não mais se metiam mais em encrencas e eram até bons alunos. Claro, estavam tendo uma vida mais confortável, comendo melhor, se vestindo com mais decência. Acontece também que eles estavam mais crescidos e, por conseguinte, mais conscientes. Uma coisa que ajudou bastante foi que ficaram livres da má influência do pai, que se meteu em outras empreitadas e foi embora do barraco. Ainda bem. Graças a Deus.
Só assim pra Heloísa e os dois moleques terem um pouco de sossego. Atraso na vida, nunca mais. Heloísa, quem diria, hein? O tempo passou e os meninos agora já eram rapazolas e estavam no caminho para a universidade. Wellington queria fazer Educação Física, já Wilson História. Quanto vai custar isso? Será que vou dar conta de pagar a faculdade deles? Acho que sim, pois além de representante da Graciosa, ainda faço contato com a minha clientela para aquela clínica de estética do Dr. Guilherme Marconi. Isso está me rendendo uma boa comissão. Do jeito que a coisa tá indo, logo logo vou poder montar meu próprio negócio. Heloísa, a vida indo de vento em popa. E aquele marmanjão, com pinta de vagabundo, de olho comprido na bela mulher, que prosperava a cada dia. Heloísa nem quis saber de conversa. O quê? Arrumar outro vagabundo para viver ás minhas custas e me maltratar? Nem pensar, ante só do que mal acompanhada. Não vou jogar tudo que consegui até agora. Pra gente conseguir ir pra frente demora um bocado e a gente tem que trabalhar pra cacete. Mas para partir para uma bancarrota é fácil, fácil. A gente vive no limite da realidade, na corda bamba, no tapa, no grito, na raça, às vezes leva as coisas aos trancos e barrancos, não é mesmo Abdias?

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