TRINTA ANOS
Conto:
NOZIEL ANTONIO PEDROSO
03 de Janeiro de 2008
Ela era pouco mais que uma adolescente, corpinho delgado, cintura fina, olhos brilhantes, cabelos esvoaçados ao vento, mente, quiçá, povoada de sonhos e aspirações, hipocampos a faiscar freneticamente, neurônios agitados, à procura de conhecimento e novos horizontes. A mocinha de figura graciosa era, até então, apelidada pelos parentes de pau de virar tripa, face à acentuada magreza que sobressaía-se por sobre as vértebras pontiagudas. Desde então a moçoila, já integrante do serviço público, começava sua escalada rumo a uma desgastante carreira no Poder Judiciário. Trinta anos atrás. Credo, o que é isso? Ora, é simplesmente três décadas, 10.950 dias, 360 meses, enfim, é tempo pra cristão nenhum botar defeito. Já pensou agüentar todo esse tempo num só lugar e, pior ainda, no serviço público? Pois é justamente isso que Teresa Cristina Paiva Vicente, vem enfrentando desde que era uma garota de apenas 19 aninhos, certamente com objetivos proeminentes, em contato direto com a corrente da roda viva, com os hormônios exacerbados e ânimos á flor da pele. Mas (sei que é um lugar comum insuportável) o tempo passou e, com ele carregou todos os acontecimentos que ocorreram nesse período. Mas... não apagou as lembranças, amargas ou doces, que ocorreram durante esse tempo e que dele foram originários.
Aliás, dissertando-se sobre o assunto tempo, todos os períodos, na verdade, são válidos e até imprescindíveis nas nossas vidas. Sem essa de querer ficar a vida toda nos vinte anos, como se isso fosse garantia de felicidade. Cinco anos após, você com a mesma cara, mesmo jeito, mesmos hábitos. Dez anos após, você mesma cara, mesmo jeito, mesmos hábitos. Vinte anos após, você mesma cara, mesmo jeito, mesmos hábitos. Trinta anos após, você mesma cara, mesmo jeito, mesmos hábitos. Até quando você agüenta isso? Você vendo passar por si a batalha dominadora, arrasadora, levando tudo pelo caminho, a ascensão dos mitos, a efervescência da massa, a mudança de regras, a evolução das espécies. E você lá, novinho em folha, mas sem motivação alguma, em contraste com o que se passa à sua volta. Isso não é mais uma dádiva, é um desespero, um caminho sem volta, uma prisão em forma de monstro. Quero ser mais velho, quero ter a sensação de ter vivido todos esses anos, de ter aprendido a ser mais ponderado, quero ter a sabedoria dos mais velhos. Não. Não quero mais ter eternamente vinte anos, cansei de ficar nos vinte anos e não desenvolvi até hoje o bom senso, a prudência, a sabedoria, o discernimento.
Imagine você vendo passar pelo corredor invisível da vida, os acontecimentos mais variados, e inerte em seus vinte anos, com seus contemporâneos velhos, doentes ou mortos. E você sozinho, sem afinidade com a geração de sua idade, já que os valores entram em choque com suas idéias e costumes. Se arrependimento matasse. Não quero mais ter vinte anos. Queria ter seguido o curso normal da minha vida, puta merda. Não agüento mais ter vinte anos por toda a vida.
E trinta anos passa mais depressa do que pensamos. O que houve de marcante trinta anos atrás? Fora as tragédias diárias, que de tantas que são, nem mais marcamos as datas, ocupava o Vaticano o Pontifício Paulo VI. Elvis Presley, até então o maior ídolo do rock mundial, morre, com apenas 42 anos, de overdose de drogas, vício que o acometia já há alguns anos. Na música as paradas de sucesso, televisivos e radiofônicos, eram dominados por Antonio Marcos (morto em abril de 1992) com Quem dá mais, Sidney Magal com O meu sangue ferve por você e Peninha com Sonhos. Outros sucessos, ainda, invadiriam as rádios no decorrer daquele ano como aquele estrondoso sucesso de César Sampaio Com uma lágrima na garganta e Benito di Paula com Assobiar ou chupar cana. A TV Tupi, arrebatava as atenções como uma das mais populares emissoras do País. Na época exibia a novela O Profeta, escrita por Ivani Ribeiro, uma especialista em criar sonhos e fantasias para milhões de brasileiros sonharem acordados no horário nobre.
E Teresa Cristina? Curtia tudo isso e vivia intensamente toda essa gama de euforia. Final dos anos 80 e começo dos anos 90 a - já agora - jovem senhora e genitora de um trio de varões, estava trabalhando em outra cidade, no setor administração. Devido à correção no seu ofício e bom conceito que desfrutava junto aos superiores, ela teve o nome indicado para uma promoção que modificaria totalmente seu rumo profissional. A jovem passaria a comandar um cartório com três subdivisões, teria carta branca para tecer os serviços à seu modo. Cristina tomou aquilo como um grande desafio e, de certa forma, via-se temerosa em aceitar essa grande mudança, seja pelo desconhecido que nos mete medo (como diz Caetano Veloso: (e à mente apavora, o que ainda não é mesmo velho), seja por insegurança e receio de falhar no que lhe fôra confiado. E agora? Será que aceito? Será que não aceito? Ora, se eu não aceitar vou perder uma grande oportunidade. E tudo pode dar certo, porque não? Vou me esforçar bastante para garantir meu sucesso nessa empreitada. Que é isso, eu com medo de falhar? Mas que porra é essa? Não posso me permitir esse fiasco, afinal a vida é feita de desafios, as metas devem ser atingidas. E eu bancando a cagona? E, ainda, posso contar com a ajuda dos amigos. Caso contrário, se eu não aceitar vou estar fugindo de uma responsabilidade e me acovardando às oportunidades que a vida nos dá. Quer saber? Já aceitei! Ah, puta merda, não devia nem ter me deixado levar por pensamentos negativistas. Tenho amigos aqui no recinto. Tenho certeza que todos vão me dar a maior força, e é certo que estamos juntos há um tempão.
Cristina enganara-se. Aí é que ela começou a enxergar melhor o que realmente é o ser humano, começou a reparar que entre as plantas havia ervas daninhas, que o trigo estava sendo contaminado pelo joio, que inseria-se de forma clara e evidente naquele clima de amizade, a decepção, o malogro, gerando assim a resignação e a certeza que tais demonstrações de carinho eram convenientes enquanto perdurassem certos interesses. O quê? Não é possível, mas aquele sujeito me descartou. Pôxa, ele sempre foi meu amigo, tomamos umas juntos várias vezes, demos boas risadas na madrugada. Meu Deus, aquele outro, que só faltou me jurar amizade eterna? Cantamos por diversas vezes no mesmo tom. Como é que teve coragem de me virar as costas, justo agora que eu mais preciso de apoio? Puxa vida, como a gente se engana com o caráter alheio. Nunca imaginei que aquele indivíduo iria mostrar essa sua outra face, que eu, ingênua e tola, desconhecia até então, aliás preferia também nunca ter conhecido a primeira face, pois ela é realmente o perfil encenado por essa face que agora se mostra de forma inequívoca.
Mas, todavia, por mais que seja forte a tempestade, por mais que seja rigorosa a rajada de vento que parece arrasar tudo pelo caminho, sempre aparece a bonança para amenizar tudo. Agora é que vou poder realmente conhecer meus verdadeiros amigos. Cristina, coitada, levou fama até de mulher infiel para conseguir a promoção. Que calúnia, que crueldade, como o ser humano é leviano e inconsequente. Esses comentários infundados e sem razão de ser, ecoavam pelos corredores, pelas rodinhas de conversa, pelos sanitários. A pobre mulher jamais havia imaginado que algum dia seria alvo de tais barbaridades.
Mas com o apoio de uns poucos amigos, a honesta mulher superou todas as decepções e mágoas, sem precisar abaixar a cabeça. É isso, saibamos valorizarmo-nos, saibamos dar vazão à nossa capacidade de superação, saibamos correr em direção ao sol, saibamos dar um basta no falso, na impostura.
Trinta. Trinta anos transcorreram desde aquele, então início de carreira que, diga-se de passagem, vem sendo vitoriosa até agora. E aí, vocês que muito fizeram para que eu não estivesse no lugar que estou hoje? Não vêm me dar os parabéns? Não vêm aqui querer saber como eu me saí, depois de toda torcida contra? Hein? Por que não reconhecem que vocês falharam? Eu não fracassei porra nenhuma, como vocês esperavam e até torceram. Eu entrei em todas as estruturas e soube sair delas, caminhando com cautela. E vocês o que fizeram de bom durante essas três décadas? Já sei, aposto que amargaram derrota atrás de derrota. Não viram o tempo passar, (como Carolina, do Chico Buarque) debruçados na janela? E então, conseguiram edificar algo? Nunca desejei nada de ruim a ninguém, isso não é de minha índole, mas como se diz por aí: o peixe morre pela boca. Sinto muito, mas eu venci e vocês perderam. Não guardo mágoa alguma, mas toda decepção me deu uma grande lição de vida: Nunca deixe que uma vitória te conquiste de vez, tampouco que uma derrota te derrote.
É isso, eu sou mais eu e estou com tudo!
Texto escrito especialmente para a minha amiga (e chefe) Teresa Cristina Paiva Vicente, que em 15 de dezembro de 2007, completou trinta anos no serviço público.
Registro-SP
quarta-feira, 3 de junho de 2009
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