SAMANTHA
Conto:
Noziel Antonio Pedroso
Abril de 1992
- Não seja doida, Rosalícia. O que passou, passou. Henrique está casado agora. Você tem que admitir que perdeu...
- Mas, Rosana, ele marcou um encontro comigo, ele ainda me quer. A mulher dele está longe... não vou resistir...
- O que você espera de um homem desse? Você acha que ele vai largar a mulher e o filho por causa de você?
- Claro que não, mas quero ter o gostinho de ver aquela perua com um par de chifres na testa. Na verdade o Henrique ainda me ama. Se ele gostasse realmente da mulher não teria me procurado...
- Deixe disso, boba, ele só quer se divertir. Sabe como é, variar um pouco.
- Rosana, estou decidida. Vou passar esta noite com Henrique. Apesar das contestações das amigas e de todos que conheciam seu passado com Henrique, Rosalícia estava mesmo disposta a levar seu plano até o fim, afinal foram cinco anos de namoro, ela não podia se conformar assim. Muitos planos foram feitos, tudo estava maravilhoso, até que chegou aquela mulher exuberante para virar a cabeça de Henrique e, o que é pior, levou-o ao altar.
Henrique e Rosalícia. Motel. Champagne. Lençóis coloridos. Cheiro de desejo no ar. Entrelaçamento de corpos. O amor reprimido dava agora vazão à sua existência, em toda sua plenitude.
- Você e esplêndida, Rosalícia. Como e bom estar aqui com você.
- Fale menos, Henrique. Vamos aproveitar esses nossos momentos com sofreguidão. Me abrace de novo.
Fim de noite. Começo de madrugada. A alvorada dava in¬dícios de sua chegada, com as gotas de orvalho vagarosamente batendo nas folhas, provocando um leve ruído que mais parecia um afago aos ouvidos. O silêncio era absoluto.
- Tenho que ir agora, meu bem. Ainda hoje tenho que visitar um cliente em Perdões.
- Puxa. Já? E quando vamos nos ver outra vez?
- Não sei. Vai ser difícil... mas quando der eu procuro você.
Henrique, apesar de ter se mostrado carinhoso, ardente, não tinha a mínima pretensão de abandonar a esposa para viver com ela e, isso ficou claro para Rosalícia que aceitava aquela situação. Henrique estava trabalhando numa empresa de laticínios e ocupava um cargo importante. A empresa pertencia a seu sogro, um dos mais bem sucedidos empresários do setor pecuarista. Passa-se uma semana. Duas. Três. Nem sombra de Henrique. Rosalícia sonhando com um novo encontro.
“Porque ele disse que vai ser difícil? Ele não pode fazer isso comigo”. Rosalícia vai pensando e caminhando.
De repente sente uma indisposição. Fica tonta. Escora-se naquela parede que esta a sua frente. Não era possível. O que estava acontecendo?
Apavora-se. Fica pálida. Aqueles sintomas... que ela tanto já ouviu falar. Não... Não podia ser... Corre para casa da amiga Rosana à procura de ajuda. Juntas resolvem ir ao médico. Exame. Teste. Putz, e agora?
Será? Como é angustiante esperar um resultado desse tipo. Puta merda. Que situação. Chega o médico com o resultado. Ele apenas balança a cabeça afirmativamente. Rosalícia estava grávida. Ela sente o solo lhe faltar aos pés. E agora? E Henrique?
Depois de ser escorraçada de casa pelos pais, Rosalícia percorre casas de amigos. acomoda-se aqui e acolá, trabalha como faxineira numa casa, como diarista em outra. Assim ela vai levando a vida. O tempo passando. E Henrique? Nunca mais ouviu falar dele. Também nem mais queria. Aquele filho ia ser dela somente. Não ia ter pai. Henri¬que fica sabendo, mas nada podia fazer. Ele estava casado e muito bem casado, com a filha do dono da empresa onde tinha um cargo de confian¬ça. Quanto tempo ele esperou por isso? Imagine, depois de tanta luta, largar tudo para viver com uma que não tem onde cair morta? Eu, hein... Nem pensar... Puxa vida, gostei tanto dela. Ela me ajudou muito. Me deu tantos conselhos... mas... também, né ... que se há de fazer? A vida não pode ser levada e motivada apenas pelas coisas do coração. A gente tem que agir pela razão, senão dança... Não se mexe em time que está ganhando. Então, Rosalícia, sinto muito... você até que é jeitosa, gosto de estar com você, mas ninguém mandou você não ter dinheiro... Rosalícla, a barriga crescendo. Nossa, como está enorme. Está chegando o dia... Você não está em condições de trabalhar...
Chega o dia. Vamos pra maternidade. Ai, estou tão nervosa. É natural. É a primeira vez. Vai, empurra com força. Mais, Mais... Ahhhhhh... Ainda não deu... Já apareceu a cabeça... Força... mais um pouco... Está vin¬do. Nossa... saiu... pega com cuidado... Deixe-me ver... é uma menina! Nossa, que gracinha. E agora? Mais uma boca para alimentar... Qual vai ser o nome dela? Ah. já escolhi: Samantha. Samantha? Puxa, que nome boni¬to. Rosalícia, novamente graças à ajuda dos amigos, consegue um emprego de vendedora de cosméticos e enxoval. Vai trabalhando e juntando dinheiro, até que aluga uma casinha pequena. Para ela e Samantha estava muito bom. Os anos se passam. Rosalícia se firma no ramo e se torna uma empresária. Mais anos se passam. Samantha estava agora com dez anos e era a mais bonita da escola. Do pai ela nunca tinha ouvido fa-lar, mas também Rosalícia nem tinha tempo para isso. Preocupava-se em trabalhar bastante e esquecer aquele infortúnio que a fez passar por momentos terríveis. Agora estava tudo bem. Samantha estava lhe dando muita alegria. Nada mais havia no mundo para ela agora. Somente a fi¬lha.
O tempo passando. Puxa, Samantha já teve sua primeira menstruação. Já está usando sutiã. Como o tempo voou, meu Deus.
- Samantha, vamos ao Convés? Hoje tem um bailinho legal.
- Ah é? Vamos Sim.
- Uau, tem cada gatinho que você precisa ver.
Toda uma história de geração se repete. Grupinhos, encontros, bailinhos, paquera. Samantha seguia o curso normal. Com as amigas Isabela, Sandra, Cristiane e Paula ela percorria os locais de encontro e ia levando sua vida. Na escola ia tudo bem, mas namorado ainda não tinha e não era por falta de pretendentes. Toda a rapaziada vivia babando por aquela meni¬ninha jambo, de nariz delicado, pele de pêssego, bundinha arrebitada, boquinha bem desenhada. Era a garota dos sonhos. Samantha era linda.
- Puxa, Samantha, você notou que aquele carinha que estava com o Sér¬gio, não tirava os olhos de você?
- Bem, pra falar a verdade nem reparei.
- Ah, também não precisa esnobar, né?
- É verdade, eu estava distraída o tempo todo. Eu estava conversando com a Mônica.
- Na próxima vez que voltarmos lá, aposto que ele vai estar lá de novo.
Cada vez que Samantha voltava para casa, Rosalícia a esperava para conversarem. Sempre que a menina perguntava sobre o pai, Rosalícia deixava a conversa para amanhã, como se tivesse adiando aque¬la revelação.
- Mãe, hoje a senhora não escapa. Quero saber do papai. Você sempre dizia que eu era muito nova para saber disso. Mas isso já passou. Estou com quinze anos.
- Claro, querida. Esta mesmo na hora de você saber.
- Você sempre diz para eu tomar cuidado com os rapazes, coisa e tal, mas não me contou ainda como foi sua vida.
- Bem, pra falar a verdade, filha, não existiu nada de interessante mesmo. Eu namorei um rapaz chamado Henrique durante cinco anos. Pensávamos em nos casar. Tínhamos muitos planos. Naquela época eu trabalhava na loja do seo Antenor, aquele que hoje é dono das Lojas Maraba. Tudo ia correndo bem, até que o Henrique ficou deslumbrado por uma outra mulher, bem bonita e rica, que havia conhecido em Pouso Alegre.
- E como você ficou sabendo?
- Ah, filha, você sabe como são essas coisas, ainda mais aqui em são Lourenço, onde as noticias correm rapidamente. E soube mais ainda: Henrique estava namorando com essa moça.
- Ele te contou isso?
- Sim. Praticamente eu o obriguei a confessar. Dizia que ia se casar com ela, que já estava cheio daquela vidinha chata que levávamos nesse lugarzinho atrasado, onde nada acontecia, que não agüentava mais o tédio, sabe?
- Bem, e ai?
- Aí e que ele se casou mesmo, embora jurando que gostava de mim, mas que não via futuro algum na nossa relação... Ah, eu quis morrer, mas aos poucos fui superando e buscando forças para viver. Três anos depois em 1978, ele voltou a me procurar. Propôs um encontro comigo
Naquele momento tudo recomeçou. Uma fagulha de esperança reacendeu a chama e eu tive a impressão que ela ainda gostava muito de mim. Mi¬nhas amigas todas foram contra, afinal ele já estava casado e não podia voltar atrás. Fui ao encontro e adivinha no que deu?
- Ora mãe, não sei. Deu tudo certo?
- Tão certo que acabei ficando grávida de você.
- Ah, então esse tal de Henrique que é meu pai? Que barato. Nasci de um encontro clandestino, então. Mas aí, e você?
- Ah, fiquei na rua da amargura. À custa da ajuda de alguns amigos é que consegui ter você e ir tocando a vida.
- Mas e seus pais? Meus avós?
- Eles moram em Cerieira, na Fazenda Bom Jesus. Me tocaram de casa e eu nunca mais os procurei. Não sei como estão vivendo...
- E meu pai? Voltou algum dia?
- Não, nunca mais o vi. Mas ele não mora muito longe daqui, não. Só que onde ele mora não vou te contar, Samantha. Sinto muito.
- E ele pelo menos, sabe da minha existência?
- Deve saber. Acho que contaram pra ele. Nunca mais me procurou e sequer quis saber se eu precisava de alguma coisa.
- Então você deve ter raiva dele.
- Não, até que não, mas na época fiquei revoltada com a falta de interesse dele. Hoje estou mais calma. A culpa foi minha, aliás, a culpa é sempre da mulher. Ele já estava casado, eu que fui a intrusa.
- Não importa como tenha acontecido, mãe, eu acho você um barato. Isso não tem importância agora.
- Ah, querida, eu sabia que podia contar com você. Agora vá dormir, que amanhã tem escola.
Dias depois novamente tem bailinho no Convés. Em com¬panhia das amiguinhas Samantha dirige-se ao clube, desta vez curiosa para conhecer o tal admirador. Assim que adentram o local os olhares se desviam para ela. Percorrem o salão e Cristiane, com sutileza, aponta aquele rapaz formoso e bem vestido. Sim, elas tinham razão. O carinha era pra lá de bonito. Aproxima-se dele, dançam juntos. Intervalo. Coca-cola.
- Sabe, há dias que não paro de pensar em você. Desde aquele última vez que estive. Diga, você tem namorado?
- Vamos dar uma voltinha de moto?
- Mas não vamos demorar. Estou com umas amigas.
Naquele gramado fresquinho os beijos se repetem, as carícias são plenas e Samantha e César descobrem: estão loucamente apaixonados.
- Puxa, Samantha, estou louco por você. Quero que você conheça minha família.
- Calma, César, é cedo ainda. Mal acabamos de nos conhecer.
- Tem razão, vamos dar mais um tempinho. Primeiro vou contar pra eles que tenho uma namorada, a mais linda de todas.
Toda eufórica Samantha chega em casa e dispara a novidade para a mãe.
- Adivinha aonde vamos sábado agora?
- Ora, filha, não faço a mínima idéia.
- Vamos até Varginha. Meu namorado mora lá.
- O quê? Seu namorado? Que história é essa?
- Isso que você ouviu, mãe. Estou namorando um rapaz de Varginha.
Sábado vamos conhecer seus pais, ele me deu o endereço. Eles estão nos esperando para o almoço. Chique não?
Chega o sábado tão esperado. Samantha e Rosalícia dirigem-se até aquele endereço mencionado no papel. Era uma casa bonita, bem cuidada. César estava esperando-as no portão. Entram.
- Puxa, Samantha, como é bonita a sua mãe.
- Também, pudera, eu tive a quem puxar.
- Deixe de ser convencida. Dª Rosalícia, vamos entrando. Meus pais estão nos esperando.
- Pai, essa é a Samantha. Veio com a mãe.
- ROSALÍCIA
- HENRIQUE?
Ambos estupefatos, confusos, desconcertados, se olham com espanto.
- O que? Vocês já se conhecem?
- Por favor, Rosalicia, diga-me: você é que é a mãe de Samantha?
- S-Sim...
- Então ela e César...
- Sim...
terça-feira, 2 de junho de 2009
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