M I L V E Z E S
Conto:
NOZIEL ANTONIO PEDROSO
22 de Janeiro de 2009
Essa é a primeira vez que busco escrever um texto, com um título sugerido em sonho. Hoje tive um sonho onde encontrava-me reunido com vários amigos em torno de não sei o quê (os sonhos são geralmente confusos e não nos lembramos o bastante para reproduzi-los posteriormente) e desafiei um deles (Edson Alves Pereira) a me fornecer o título para um novo conto. De vez em quando eu tenho essa mania, mas foi a primeira vez que ocorreu em sonho. E o garoto foi enfático e objetivo: MIL VEZES, foi a resposta por ele proferida. Depois que acordei e esfreguei os olhos, pensei comigo: E agora? O que vou escrever? Mil vezes o quê? Mil dias? Isso é equivalente a dois anos e nove meses. Mil minutos? Corresponde a pouco mais de 16 horas. E assim por diante. Mas esse número sugere algo assim enigmático, denota uma porção de mistério, esbarra em algo místico, possui uma tradição e até, uma grande abrangência tanto na História quanto na Filosofia, passando ainda por Política, Artes e, porque não, pelo cotidiano.
Quem já não ouviu falar das mil e uma noites, nas histórias místicas do Oriente? No campo musical, Chico Buarque nos brinda com os versos “meu pranto não vai nada ajudar, mil versos cantei pra lhe agradar... na canção Carolina, uma das mais bonitas de sua autoria. Engraçado é que quando Chico Buarque foi fazer essa música, foi na base da pressão. A gravadora, por força de contrato, exigia que ele apresentasse mais uma música para fechar o repertório do disco que estava gravando. Nesses moldes o autor precisou fazer uma música às pressas, tipo de qualquer jeito. Conta a história que na composição dessa obra prima, o autor estava pra lá de contrariado e fez a canção com raiva. Dá pra imaginar uma coisa dessa? Falando-se ainda em música, o Padre Zezinho quando compôs a canção Utopia, ele cantava em uma das estrofes: ...desafinado, voz rouca, bem cansado, ele cantava mil toadas, seu olhar no sol poente... E, claro, temos um sem número de inclusão da palavra mil, no universo das canções, como por exemplo, ainda, o cantor romântico Gilberto Lemos (um conterrâneo de Roberto Carlos) que fez um bruto sucesso, no final dos anos 70, com a música Mil razões para chorar.
Mas o número 1.000 sempre deu pano pra manga, desde os primórdios. Sim, porque o número mil parece algo distante, inatingível, uma meta quase que impossível de se alcançar, uma parede alta e lisa o bastante para se escalar. Antigamente (leia-se quarenta anos atrás) quando se falava no número mil, referindo-se a dinheiro, nossa, era um alvoroço. Parecia que o assunto girava em torno de uma fortuna, um valor fabuloso, fantástico, quase impossível de se avistar. Nesses tempos de novo milênio, começo de uma nova era, em que a vã tecnologia substitui cada vez mais e com tendência crescente, a essência e os valores humanos - levando-se em conta ainda a necessidade premente e frenética do vil metal - o valor mil caiu vertiginosamente, sendo reduzido a algo mixo, exíguo, ofuscado, até desprezível.
Quando eu era criança, lembro-me da cédula de mil cruzeiros. Era uma nota cor de abóbora, com a estampa de Pedro Álvares Cabral. Lembro-me que o doce (suspiro, geléia, cabeça de baiano, maria-mole, bolachão) custava trinta cruzeiros. Então mil cruzeiros dava para comprar trinta e três doces e mais um terço. Mil parecia uma coisa tão grande e vultuosa.
Mil vezes. A expressão é usada, outrossim, para designar impaciência e impor resistência, quando nos fartamos de solicitar ou explicar a outra pessoa, algo simples e de grande valia. Face à não absorção de outra parte às nossas palavras ou solicitações, a expressão sempre utilizada é algo do tipo: Já te falei mil vezes ou – ainda – já te pedi mais de mil vezes, e assim por diante...
O número mil exerce sobre as pessoas algo de grandioso, exuberante, o auge da conquista maior. No final da década de 60 (época em que o País foi revolucionado por grandes conquistas com as transformações ocorridas em diversos segmentos) o cidadão Edson Arantes do Nascimento, até hoje então considerado o maior atleta da história, de todos os tempos, estava prestes a conquistar uma grande façanha e ser ovacionado pelo mundo: mil gols, o que conseguiu mesmo antes da virada da década. 0 que pouca gente lembra é que tão logo o maior atleta do século tenha conquistado o grande feito, falou aos repórteres algo como: devemos cuidar das nossas crianças, devemos fazer algo pelas crianças de nosso País... Só que décadas mais tarde recusou sua própria filha, que teve que lutar na Justiça para inclusão da paternidade. E como desfecho temos a amarga realidade que a já mulher formada, foi-se desse mundo com a mágoa de nunca ter sido acolhida - e sequer reconhecida - pelo pai que sempre buscou. Contradições à vista Pelé casou-se com uma mulher branca que já possuía outros filhos da relação anterior, a qual o novo padrasto certamente acolheu.
Em uma revolução qualquer alguém disse: “Se mil vidas eu tivesse, mil vidas eu daria pelo meu País”... Mas o número mil é, às vezes, relativo, e não amealha as dimensões de sua intensidade, se tomamo-lo em toda a extensão da palavra. Exemplo disso consta na Bíblia, no Livro de II Pedro: “Mas, amados, não ignorais uma coisa, que um dia para o Senhor é como mil anos e mil anos como um dia”.
Já no livro Apocalipse, o chamado livro das revelações, a palavra mil insere-se de forma contundente e extrema, em passagens pesadas tais como: Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e amarrou-o por mil anos. E lançou-o no abismo, e ali o enterrou, e pôs selo sobre ele, para que não mais engane as nações, até que os mil anos se acabem. E depois importa que seja solto por um pouco de tempo, culminando com o desfecho: E, acabando-se os mil anos, Satanás será solto de sua prisão”.
Mas na verdade o bom mesmo dessa história em torno do número mil, é a passagem bíblica quando o Livro Sagrado diz, revestido da sabedoria que sempre lhe foi peculiar: “O homem que respeita e obedece a DEUS será abençoado por mil gerações”
Se a palavra mil, em tempo amistoso e boa paz, tem conotação fraterna e de bons ventos, paz, há o reverso da moeda. Uma expressão que causa-nos repulsa, horror e aversão é: Maldito, mil vezes maldito! Existe mil coisas boas, mil venturas, mas existe também essa expressão de desejo do mal. Que se há de fazer? !
Conto escrito com título sugerido por Edson Alves Pereira (22.12.76), em sonho. Não sei o que o autor da idéia esperaria que fosse escrito, mas o que deu pra fazer foi isso, Paciência... Ah, e mais, ele é que forneceu as passagens da Bíblia que incluem o número mil.
sábado, 6 de junho de 2009
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