JANAINA, DOCE MENINA
Conto :
Noziel Antonio Pedroso
Abril de 2008
Aquela menininha era por demais bonitinha. Não havia universo algum que ela não encantasse com sua figura esguia, doce e graciosa. Quando sorria então - com os dentinhos de pura canjica e aquela minúscula covinha que se formava na face - parecia que iluminava o ambiente à sua volta. Agradável aos olhos, a menina tinha estatura mediana, cabelos pretos, curtos, encaracolados. Amparando um corpinho delgado, de quarenta e poucos quilos, tinha um andar harmonioso e uma pele morena clara, transbordando frescor e juventude. Janaína. Era como se chamava a linda moçoila de olhos cintilantes.
Quando pequenina sua vida não fôra lá de muitas alegrias. Coitadinha, como milhares de crianças desse nosso País de terceiro mundo, carecia de um melhor conforto, mas as coisas eram limitadas, que se há de fazer? Janaína, não obstante a tenra idade, parecia que compreendia e aceitava bem sua realidade. A mãe da menina, lutadora de nascença, fazia isso daqui para pôr comida dentro de casa. E conseguia a danada. Trabalhava como caixa em um depósito de frutas e, de quebra, ainda fazia uns serviços de costura pra fora. E a situação? Estava dando pra levar, mas cadê que chegava o progresso? Tenhamos paciência, meu Deus, tenhamos paciência. A vida não é fácil, uma hora as coisas se encaixam!
Ano de 1996, marcado por tragédias como aquela grande explosão no Shopping na Capital, que matou quase uma centena de pessoas; o massacre ocorrido em 19 de abril, na zona rural da cidade de Carajás, Pará, em que dezenove trabalhadores foram trucidados num confronto de terras; numa cidade do Nordeste o então político corrupto, Paulo César Farias, tesoureiro do Presidente Fernando Collor de Melo, é encontrado morto ao lado de sua amante, Susana Marcolino, num dos episódios políticos mais sórdidos de nosso tempo.
Janaína, alheia a todas essas notícias ruins, vivia apenas a povoar seus sonhos da mais pura fantasia, da doce magia, dos devaneios de toda criança. Passava os dias enchendo de alegria e de ternura a mãe e a avó. Mal podia imaginar a pobrezinha, que estava prestes a ter sua própria notícia ruim. Quando contava com apenas oito anos a menininha passou por maus bocados. Era uma tarde chuvosa e nublada, feito aqueles dias ideais para bruxas fazerem piquenique, como se lê nas histórias em quadrinhos. Tudo ia bem, Janaína estava em casa na companhia da mãe, quando de repente, não se sabe daonde, surgiu aquele baita pastor alemão preto que até babava de tão bravo. E covardemente atirou-se de vez sobre a menina, jogando-a pelo chão com violência. Nisso estabeleceu-se um tremendo celeuma, na pequena casa. Todos gritavam assustados ante a gravidade e surpresa daquela situação calamitosa. E cadê que o cachorro dava trégua? O malvado cão sacudia a pobre menininha pra lá e pra cá, num ímpeto selvagem, protagonizando um cenário tétrico, que fez com que todos à volta ficassem sem ação, sem saber o que fazer, mergulhados naquele abismo de horror. À custa de muito grito e tentativa desesperada de desvencilhamento, o animal afastou-se assustado e foi embora, pra alívio de todos. Mas na pequena casa, todos custaram a se recuperar do enorme susto. Janaína, que judiação, tadinha, caída no chão com escoriações no tórax e sangrando bastante pela ação dos fortes dentes daquele cachorro cruel.
A mãe, ainda sob efeito de choque, transtornada, notou que no local das mordidas havia nervos expostos. Meu Deus? E agora? Mantenhamos a calma, ainda bem que o cachorro não atacou pontos vitais, nem há qualquer sinal de hemorragia. Dos males o menor. Vamos estancar o ferimento e fazermos um bom curativo, não há de ser nada grave. Oh, coitadinha da minha filha, tão pequenina e aquele cachorrão covarde foi atacar justo ela. Meu Deus! Agora podemos relaxar um pouco, tudo já passou, graças a Deus. Traga desinfetante, pomada penicilina, gaze e esparadrapo. Vamos dar um jeito nisso, ouviu bonitinha? Você vai ficar bem!
Ufa, assim foi feito. E tal como todos esperavam, graças a Deus, a pequena estava recuperada depois de apenas duas semanas. Não houve inflamação no local, nem seqüelas, com exceção para a pequena cicatriz que se formou na região, que foi acentuando-se com o passar dos anos, até atingir um estágio permanente.
Mas Janaína recuperou-se totalmente desse trauma. Vivia sua vidinha tranquilamente, com as amiguinhas, na escola e em casa. Formou-se com louvor no primeiro e segundo grau. E agora? E o futuro? O que será que quero ser na vida? Ah, já sei: terapeuta. Mas e o vestibular? Ah, eu vou fazer. Janaína, eta garotinha de garra e decisão. E o resultado: O quê? Quinto lugar, mas que maravilha. Parabéns. Mas como cantou um inspirado Martinho da Vila nos anos 70: Felicidade, passei no vestibular, mas a Faculdade é particular. Livros tão caros, tanta taxa pra pagar, meu dinheiro muito raro alguém teve que emprestar.
É, a concretização de cursar a tão sonhada Faculdade encontrou impedimento na situação financeira. Puxa, as coisas quase nunca são mesmo como a gente quer. Que remédio. Vou tentar outro vestibular. Hum, que tal Ciências Contábeis? Lá vai Janaína outra vez mergulhar no universo dos livros e apostilas. O dia da prova que chega. Janaína enfrenta com serenidade e altivez aquela nova etapa. E o resultado? Nossa, primeiro lugar, eta menininha dedicada e inteligente. Passou todo mundo pra trás. É, mas... Ué, mas o quê, menina? Na verdade... eu não gosto da matéria. Gosto mesmo é de terapia, ah, se eu pudesse fazer o curso. Taí uma coisa que eu sinto que eu me daria bem. Mas...
Mas quem sabe? Não acabou, os dados ainda estão rolando. Você vai ver, ainda vou conseguir o que eu quero, afinal tenho garra bastante para alcançar e realizar meus sonhos. Me aguarde!
Você viu com que paixão a Janaína trata dos gatos? Nossa, ela adora os bichanos, devia ser veterinária. Tenho certeza que os felinos ficariam em boas mãos. É mesmo hein... para a pessoa se dar bem na profissão e atingir a satisfação plena e absoluta tem que fazer aquilo que gosta. Aí podemos ter certeza que a pessoa está trabalhando com gosto, com garra, com afinco e, desse modo, os trabalhos têm mais conotação de eficiência e até uma boa dose de sinceridade.
Um dia passeando por uma loja de presentes, a menina viu uma bonequinha que lhe chamou a atenção. Nossa, que lindinha, meu Deus que coisinha mais bonita. Gostou? É da linha Hello Kitty. Vou pedir pra minha mãe comprar uma pra mim. Eu gostei por demais. Adorei. É de origem japonesa.
Janaína, o tempo passando e deixando para trás os acontecimentos bons e ruins. Puxa, queria tanto cursar a faculdade, fazer curso de Terapia. Eu tenho afinidades com o assunto. Pois, pode pular e rodopiar, você ganhou uma bolsa de estudos 100%. O quê? Não brinca. Como posso brincar com uma coisa dessa? Você já está na Faculdade, menina, pode comemorar. Vou correndo contar pra minha mãe. Ela vai ficar tão contente.
Janaína, como estava radiante de felicidade. A realização de sonhos às vezes tarda, mas sempre acaba acontecendo. E estava ali à sua frente aquela concretização de seu sonho maior. Ah, juro que vou ser uma boa terapeuta, vou me dedicar por inteiro naquilo que gosto, naquilo que é meu ideal de vida. Diga, espelho meu, existe alguém mais feliz que eu? Existe sim, Janaína: a sua mãe. Sim, porque não há nada nesse mundo para uma mãe, do que a felicidade de seus filhos, pois pode acreditar que ela está tendo felicidade dobrada, simplesmente por sabê-la feliz e realizadora de seu sonho maior, coisa que talvez ela não tenha tido na vida, ou por um motivo ou outro não conseguiu realizar. Agora, seja lá o que for que tenha acontecido, ela está realizada e mais do que qualquer outra pessoa, com o coração vibrando por sua felicidade. Esse êxtase que acomete seu espírito, colheu-a em dobro.
Janaína, doce menina, mereceu esse solavanco em prol de seu sonho, afinal nosso mundo tosco carece por demais de pessoas que têm o dom de realizar, de fazer acontecer. E aquela garotinha de figura frágil, porém arrebatadora de sua força de vontade e determinação, acabou por concretizar seu sonho. Deus seja louvado. Boa sorte, Janaína!
sexta-feira, 5 de junho de 2009
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